quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Cartola (1976)

“Cartola”, esse é o nome do CD mais triste que eu ouvi nos últimos tempos (não confundir com outro disco chamado “Cartola” que foi lançado em 1974). Passei a sofrer de amor mesmo sem sofrer de amor, tamanha a sinceridade, poesia e lirismo das canções.

cartolaezicacor

Tudo começa com a faixa inicial: O mundo é um moinho. É uma música sobre uma jovem suicida (“meu bem, mal começaste a conhecer a vida, já anuncias a hora da partida…”), mas ao invés de dar conselhos cheios de esperança, ele crava um refrão triste, beirando a crueldade, de maneira fria e sem medo de machucar:

“Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés”

Isso já da o tom do que vem a seguir.

A próxima música é Minha. Fala de uma mulher que nunca foi dele, de um amor falso, mentiroso, ao contrário do que diziam as cartomantes. É uma das músicas mais animadas.

Depois vem Sala de recepção, interpretada juntamente com a sambista Creusa. Fala sobre a Estação Primeira de Mangueira, escola de samba fundada com ajuda do próprio Cartola, uma comunidade pobre, sem praticamente nenhum recurso financeiro mas que mesmo assim é feliz e vê no carnaval um orgulho.

Em seguida, Não posso viver sem ela e a volta do amor não (ou mal) correspondido. Conta a história de um homem que fez tudo por uma mulher, deu tudo o que ela queria, fez do desejo dela o seu próprio desejo e mesmo assim foi abandonado. Porém, apesar de admitir que a mulher é fingida e só o faz sofrer, ele a perdoa e sonha com o dia em que ela volta pra casa. É um amor capaz de superar até a maldade da outra parte que supostamente também deveria amar.

Preciso me encontrar é a próxima faixa. Começa com uma melodia triste e ao mesmo tempo linda, se a canção toda fosse apenas essa parte, já seria fantástica. Mas Candeia resolveu compor uma letra e Cartola a interpretou belamente. Como diz o nome, é sobre estar perdido e querer se encontrar: “quero assistir ao sol nascer, a água dos rios correr, ouvir os pássaros cantar, eu quero nascer, quero viver”. Quem nunca se sentiu assim que atire a primeira pedra. Crise existencial em forma de samba.

Na sequencia ele manda Peito vazio. Uma poesia em forma de música que canta a saudade, aqui se trata de um amor, mas pra mim se encaixa em qualquer forma de saudade. Triste até não poder mais, traz um fio de esperança ao dizer “com o tempo esta imensa saudade que sinto se esvai”. Apesar de ser difícil, se tivesse que escolher a melhor faixa desse disco, escolheria essa.

Aconteceu, quem ama também tem orgulho. A amada, depois de ir embora e pisar em cima do coraçãozinho apaixonado do pobre rapaz, resolveu pedir pra voltar depois de se dar conta de tudo o que deixou pra traz. E ela ouviu um sonoro não. Adoro essa letra porque tem gente que merece. Amar é lindo, mas amar a si mesmo é essencial.

É hora do grande clássico As rosas não falam. Essa todo mundo conhece, eu acho. Tem uma das letras mais bonitas que eu já vi. Imaginar que um homem que estudou somente até o primário escreveu um negócio desses me faz perceber como eu sou incompetente e mostra o gênio com as palavras que era o Cartola.

A próxima é Sei chorar, como diz o nome, o eu-lírico continua chorando e sofrendo porque a mulher que ama está com outro, enquanto ele ainda tenta se recuperar da separação.

Ensaboa é estranha. Na verdade eu achei engraçada apesar dela falar de pobreza. O ritmo me faz pensar numa vida pacata no interior, simples, mas não simples financeiramente, simples no sentido de pacata, tranquila, onde você não precisa de um Porsche pra ser feliz. Não sei se era a intenção dele ao compor a música, mas é o que ela passa pra mim.

Aí vem Senhora tentação. Essa música me lembra a casa dos meus avós, porque toda vez que a gente vai pra lá o meu pai coloca no rádio um CD que tem ela (mas não com o Cartola, acho que ele põe a versão do Roberto Ribeiro). Ela fala sobre uma pessoa que se apaixonou e está tentando resistir a tentação, porque sabe que se amar aquela mulher irá sofrer. Apesar disso, por me lembrar a minha família, em especial o meu avô que gosta muito dela, eu fico feliz toda vez que a escuto.

Cordas de aço também fala de amor, amor ao violão. Literalmente. Afinal é através do violão que ele põe pra fora toda as suas alegrias e suas tristezas, os seus sonhos, as suas saudades, os seus planos. É pelo violão que ele se expressa e nos expressa.

Depois de escutar tudo isso, só cheguei a uma conclusão: o amor é uma merda. Só traz dor e sofrimento. É uma ilusão que nos deixa surdos, cegos e burros (como fica bem claro em Não posso viver sem ela). E ainda assim é o sentimento mais valorizado pela sociedade, as pessoas são praticamente obrigadas a casar, uma vez que a crença popular é que morrer solteiro é igual a morrer infeliz. Mas como posso eu acreditar que morrer amando é morrer feliz depois de um disco como esse?